quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Conto de Wenceslau de Morais (Japão)

Chorarão as aves?

 Ora, eis aqui uma curiosidade sentimental, que
ressalta da comparação das duas diferentes formas de linguagem.
  Nós dizemos, e connosco muito outros: - as aves cantam.
Os japoneses dizem: - tori ga naku (as aves choram).
Restaria agora averiguar, se possível fosse, quem é que tem razão, se nós, se os japoneses; se efectivamente as aves cantam ou se efectivamente chorão.
  Para o caso das aves cativas - o rouxinol ou o pintassilgo na gaiola, por exemplo, - parece-me não restar dúvida de que os japoneses se aproximam mais da verdade do que nós.
  Assim diligenciando penetrar nos segredos psicológicos da bicharada alada, não julgais que ave cativa chore e não cante?
  Chore a sua liberdade perdida, chore as apoteoses das auroras, chore dos campos floridos e perfumados, chore a ave companheira que venha pousar no mesmo tronco, chore os cuidados dos ninho, chore os chilro dos filhitos implumes?
  Mas talvez possamos ir mais longe, e dizer que a ave, em quaisquer condições em que se encontre, chora, não canta; e que nós cantamos, choramos; e que a cigarra chora, e que as águas choram, e que as brisas choram.
  Isto equivale a atribuir ao verbo cantar uma significação inconfessada, a de chorar, porventura mais justa do que aquela que os dicionários lhe conferem; e então a inteira harmonia acústica no universo das coisas, dos brutos e dos homens, não seria mais do que um imenso hino de angustia,, de saudades, angustias e saudades dos aspectos passados, de outras existências vividas, de remotos amores extintos...
  A hipótese sugere a possível confirmação plena da denominação de vale de lágrimas, que o povo atribui algumas vezes a este mundo...
   Tori ga naku: as aves choram...
 


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